O Signo Teatral: a semiologia aplicada
à arte dramática
INGARDEN, Roman,
BOGATYREV, Petr, HONZL, Jindrich e KOWZAN, Tadeusz.O Signo Teatral: a
semiologia aplicada à arte dramática. Porto
Alegra: Globo, 1977. Traduzido. Coleção Teoria & Crítica. (p. 62-76)
O Signo no Teatro
[...] O espetáculo teatral emprega tanto a palavra como sistemas
de significação não lingüísticos. Recorre tanto a signos auditivos quanto a
visuais. Aproveita os sistemas de signos destinados à comunicação entre os
homens e os criados pelas necessidade da atividade artística. Utiliza signos
retirados de todas as partes: da natureza, da vida social, dos diferentes
ofícios e de todos os terrenos da arte. (...)
Os
signos que a arte teatral emprega pertencem todos à categoria de signos artísticos.
São signos artificiais por excelência. São conseqüência de um processo
voluntário, quase sempre são criados com premeditação, têm por objeto comunicar
instantaneamente. O que não é de surpreender numa arte que não pode existir sem
público. Emitidos voluntariamente, com plena consciência de comunicar, os
signos teatrais são perfeitamente funcionais. A arte teatral emprega signos
retirados de todas as manifestações da natureza e de todas as atividades
humanas. Porém, uma vez utilizado no teatro, cada um desses signos adquire um
valor significativo muito mais decidido que em seu emprego primitivo. (...)
A palavra.
A palavra não está mais presente na maioria das manifestações
teatrais (salvo a pantomima e o balé). Com relação aos signos dos outros sistemas,
seu papel varia de acordo com os gêneros dramáticos, as modas literárias ou
teatrais, os estilos de encenação (cf. uma leitura dramática e uma
representação de teatro total). (...)
O tom.
A palavra não é apenas signo lingüístico. A forma de pronunciá-la
lhe confere um valor semiológico suplementar. A dicção do ator pode fazer com
que uma palavra aparentemente neutra e indiferente produza os efeitos mais
variados e mais inesperados. Um ator da companhia de Stanislavski chegou à fama
pelas quarenta formas de dizer as palavras "esta tarde", e seus
ouvintes na maioria dos casos podiam adivinhar o contexto semântico. O que aqui
chamamos tom (cujo instrumento é a voz do ator) compreende elementos como a
entonação, o ritmo, a velocidade, a intensidade. (...)
A expressão facial.
Passemos
agora à expressão corporal do ator, aos signos espácio-temporais criados pelas
técnicas do corpo humano, signos que poderíamos denominar cinéticos, cinésicos
ou cinestésicos.
Começamos pela expressão facial porque é o sistema de signos
cinéticos mais relacionado com a expressão verbal. Há uma grande quantidade de
signos mímicos impostos pela articulação; neste plano é difícil precisar o
limite entre a mímica espontânea e a mímica voluntária, entre os signos
naturais e os artificiais. (...)
O gesto.
Depois da palavra (e sua forma escrita), o gesto constitui o meio
mais rico e flexível de expressar os pensamentos, ou seja, o sistema de signos
mais desenvolvido. Os teóricos do gesto sustentam que é possível fazer com a
mão e o braço até 7OO.OOO signos (R. Paget). (...)
A marcação.
O terceiro sistema de signos cinéticos compreende
os deslocamentos do ator e suas posições dentro do espaço cênico. Trata-se
sobretudo de:
- os sucessivos lugares ocupados em relação aos demais atores, os
acessórios, os elementos do cenário, os espectadores;
- diferentes formas de deslocar-se (passo lento, precipitado, vacilante,
majestoso, deslocamento a pé, de coche, automóvel, maca);
- entradas e saídas;
- movimentos coletivos. (...)
A
maquilagem.
A maquilagem teatral
tem por objeto fazer ressaltar o valor do rosto do ator que aparece em cena em
certas condições de luz. Junto com a mímica, contribui para dar a fisionomia da personagem. Enquanto a mímica, graças aos movimento dos
músculos da face, cria sobretudo signos móveis, a maquilagem forma signos de
caráter mais duradouro. (...)
O penteado.
Como produto artesanal, amiúde se classifica o penteado teatral
dentro do quadro da maquilagem. Como fenômeno artístico, pertence ao domínio do
criador da indumentária. Não obstante, do ponto de vista semiológico, muitas
vezes o penteado representa um papel à parte da maquilagem e da indumentária,
um papel que em certos casos, como se pode comprovar, é decisivo. (...)
A indumentária.
A
indumentária transforma o ator X ou o figurante Y em marajá hindu ou em clochard parisiense, em patrício da Roma antiga
ou em capitão de
navio, em pároco ou cozinheiro. Na própria vida, a vestimenta manifesta grande
variedade de signos artificiais. No teatro, constitui o meio mais externo, mais
convencional de definir o indivíduo humano. A indumentária assinala o sexo, a
idade, a classe social, a profissão, uma posição social ou hierárquica
particular (rei, Papa), a nacionalidade, a religião, e determina às vezes a
personalidade histórica ou contemporânea. (...)
O acessório.
Todo o elemento de
indumentária pode converter-se em acessório quando desempenha um papel
particular, independente das funções semiológicas da indumentária. Assim, por
exemplo, o bastão é um elemento indispensável do figurino de um dândi nas
comédias de Musset. Mas esquecido no boudoir da mulher cortejada,
converte-se em um acessório carregado de conseqüências.
cenário.
A tarefa primordial do cenário, sistema de signos que também se
pode denominar aparato cênico ou cenografia, consiste em representar o lugar:
lugar geográfico (paisagem com pagodes, mar, montanha), lugar social (praça
pública, laboratório, cozinha, café) ou dois de uma só vez (rua dominada por
arranha-céus, ação com vista parar a torre Eiffel). O cenário ou um de seus
elementos pode também significar tempo: época histórica (templo grego), estação
(tetos cobertos de neve), hora (sol poente, lua). (...)
A iluminação.
A
iluminação teatral pode delimitar o espaço cênico: os focos concentrados sobre
uma parte do palco significam o lugar da ação, nesse momento. A luz do projetor
permite também isolar um ator ou um acessório. (...)
A música.
As associações rítmicas ou melódicas ligadas a
certos tipos de música (minueto, marcha militar) podem servir para evocar a
atmosfera, o lugar ou a época da ação. A escolha do instrumento também tem um
valor semiológico que pode sugerir o lugar, o meio social, o ambiente. Entre as
numerosas formas em que a música é empregada, recordemos o exemplo do tema
musical que acompanha as entradas de cada personagem e se converte em signo (de
segundo grau) de cada uma delas; ou o do motivo musical que, reunido às cenas
retrospectivas, significa o contraste presente-passado.
O som.
Chegamos
à categoria dos efeitos sonoros do espetáculo que não pertencem nem à palavra nem à música: os ruídos. Em primeiro
lugar, há todo um terreno de signos naturais (ruídos de passos, rangidos de
portas, roçar de acessórios e de roupas). (...) Os ruídos produzidos no teatro
podem significar a hora (toques de relógio), o estado do tempo (chuva), o lugar
(ruídos de cidade grande, gritos de pássaros, vozes de animais domésticos), o
deslocamento (ruído de um automóvel que se aproxima ou distancia), uma
atmosfera de solenidade ou de inquietude (sino, sirena), podem ser signos dos
fenômenos e circunstâncias mais diversos.
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