TEXTO 1
(Ela olha para o telefone com rancor. Pega o aparelho; desiste, respira. Pega o aparelho. Disca um número. O coração sai pela boca. Aguarda ser atendida; fala sem respiro.)
Estou te ligando para dizer que você é um merda, Ricardo! Ah, não me reconhece? Você sabe muito bem quem é. Não, me escuta você. Acabou, entende? A-ca-bou. Cheguei no meu limite. Não, agora é você quem vai me ouvir. Eu estou calma! Eu estou calma!! Não. Pode passar pra pegar as suas coisas. Não quero nem mais um minuto a sua roupa na minha casa, as suas fotos, o anel de noivado…
(Ela tira o anel e joga longe.)
Os presentes, pode levar tudo, eu não quero nada! Pra mim deu, Ricardo! Não, escuta você: eu fui no ginecologista hoje. Estou com uma infecção. É, coisa séria! Vou ter que fazer tratamento com antibióticos, por culpa tua, Ricardo! Eu nunca tinha tido uma coisa dessas! Isso é coisa das duas ‘amiguinhas’. Você sabe que ‘amiguinhas’ eu falo! Não, não tem nada a ver com os meus! Nenhum dos meus amigos tem nada disso, ora, bota essa boca pra lá antes de falar dos meus amigos! Quando você falou pra gente abrir a relação, você prometeu que ia se cuidar! Você não cumpriu sua promessa, Ricardo! Eu sempre me cuidei. Com o Bernardo eu me cuidei. Com o cara da academia eu me cuidei. Com o cara que eu conheci na locadora eu me cuidei, aliás com os dois caras, porque eram dois. Com o vizinho do oitavo eu me cuidei, quer dizer, na verdade não, porque nem precisou, maior fiasco. Mas em resumo: eu não sou uma qualquer, entende, Ricardo? Exijo um pouco mais de respeito… alô, Ricardo?
(Ela ouve.)
Ah, seu Darlei! Nossa, é que tem a voz tão parecida! Como é que vai o senhor? É, eu vou bem, mais ou menos, uns probleminhas aí… o senhor poderia me passar com o seu filho? Não, não é nada sério, não, uma bobagem, o plano cobre, não se preocupe… está tudo bem, tudo sob controle. Nossa, mas vocês têm mesmo a voz parecida! O… Ricardo se encontra? Não? Que horas ele volta? Só amanhã?
(Ela se desanima. Pensa.)
Não, tudo bem, eu ligo depois. Obrigado, seu Darlei. Até mais.
(Ela desliga. Fica sem graça. Pensa. Balança as pernas. Olha em volta. Pega novamente o telefone. Liga.)
Alô! Seu Darlei?
(Ela fala baixo.)
O… senhor tem alguma coisa pra fazer hoje à noite?
TEXTO 2
(Ela entra no elevador e aperta o botão do térreo. Puta da cara.)
Só faltava essa agora. Que falta de respeito. Não, é brincadeira, meu. Se eu contar pra Cinthia ela não vai acreditar. Homem é tudo igual mesmo, só pensa naquilo. A gente se arruma, quer ficar bonita, dar uma boa impressão, e o cara… não, é foda. É foda mesmo.
(Ela tira da pasta um papel. Olha o papel com desprezo)
Secretária bilíngüe… se eu soubesse que ia me meter numa roubada dessas… o pior é que a empresa parece bacana mesmo, décimo andar, na Faria Lima… quem diria hem, que é tudo um bando de… não, hoje em dia não dá pra acreditar em ninguém. Foda.
(Ela joga o papel ao chão, com desprezo. Percebe que está sendo observada pela câmera do elevador. Se dirige a ela.)
Sim, eu jogo o papel no chão, tá olhando o quê, babaca? Não tem nada pra fazer, meu?
(Ela insiste em apertar o botão do térreo.)
Homem é tudo idiota mesmo. Só pensam naquilo. E eu, ah eu é que sou trouxa. Me preparo pra entrevista, me arrumo toda, depilo da barriga ao dedão com cera quente que dói pra burro, boto essa sainha ridícula, saio pra rua sem calcinha, com perigo de pegar friagem, e pra quê? Pode crer que o cara não olhou nem uma vez pra minha perna? E olha que eu cruzei, descruzei, dei maior show e nada. O idiota só quis saber de qualificação, experiência, informática, blérfs. Eu não entendo, antes não era assim. Homem é tudo igual, mesmo: só pensa em grana.
(Abre-se a porta do elevador.)
Da próxima eu venho cabeluda mesmo.
(Sai do elevador, batendo o salto no chão de mármore.)
TEXTO 3.
(Ela fala para ao espelho. Seca.)
Escuta aqui Frederico, eu vou resumir: eu não agüento teu cheiro. Não, pior: eu odeio teu cheiro. Teu cheiro é uma bofetada. Sabe resto de carne que fica preso no fio dental? É o fedor da tua pele. Você provavelmente já esteja acostumado, Frederico, ou não perceba, ou não se importe. Mas eu não agüento mais. É como namorar uma pilha de louça suja. Na real, fazendo as contas, eu só gosto mesmo é do seu apartamento. A vista da janela do quarto é o máximo, quando você não está nele, né. E a sua coleção de DVDs. Mas o teu cheiro, Frederico… ao teu lado eu me sinto lixo orgânico.
(Ela duvida.)
Não. Também não é culpa dele, coitado. Assim eu mato ele.
(Olha pro espelho. Sincera.)
Freddy, você precisa entender: a gente é muito diferente. Se eu ficar contigo, eu vou te fazer sofrer. Você é legal, é divertido, me faz rir… é o cara mais interessante que eu conheço. Tem as suas coisas, eu tenho as minhas, mas não é por isso. É mais… uma questão de pele, sabe? Não rola… parece meio que não combina, não bate na mesma freqüência, sabe como é? Uma questão de química, sabe…
(Desiste.)
Não. Não dá pra falar em ‘química’, ‘freqüência’… ele vai perceber.
(Pensa. Olha pro espelho. Emocionada.)
Fefê, me perdoa. Não é você, sabe? Sou eu. Você é a melhor coisa que já me aconteceu. Nossa, eu tive tanta sorte em te conhecer… tem um monte de mulheres por aí que iam adorar estar contigo. Eu devo estar fazendo uma grande bobagem, mas… eu tô precisando um tempo, sabe? Pra ficar sozinha, pensar um pouco em mim. Não é pra sempre, não. Um ou dois meses, entende? Vai ser bom. Pra poder voltar a sentir saudade um do outro. Eu vou pensar muito em você, amor. Lembrar da gente… sentir o teu cheiro…
(Corta. Fria.)
Não. ‘Sentir o teu cheiro’ também é demais. ‘Lembrar da gente’ tá bom. ‘Eu vou pensar em você, lembrar da gente…’ É, acho que é isso aí.
(Ela recolhe suas coisas, retoca a maquiagem no espelho.)
O resto eu improviso na hora.
(Ela sai, decidida.)
TEXTO DE NICOLAS MONASTERO
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