Os road movies são, por excelência, representações de jornadas de transformação, de descobertas. Os cineastas utilizam as estradas que levam à exploração de novos territórios para que seus personagens explorem seus sentimentos. Medos, traumas e desejos são revelados, ou revisitados, ao longo do trajeto. São viagens de autodescoberta. O longa argentino “Las Acacias”, de Pablo Giorgelli, é mais uma produção a utilizar o formato do road movie para trabalhar exatamente todos esses temas.
O filme acompanha a história de Rubén (Germán de Silva), um simples caminhoneiro que está transportando uma carga de madeira, saindo de Assunção no Paraguai com destino a Buenos Aires. Paralelamente ao seu trabalho, Rubén aceita outra tarefa, a pedido de seu chefe: dar carona a uma jovem paraguaia, Jacinta (Hebe Duarte), até a capital argentina. Quando encontra a garota, o caminhoneiro se depara, então, com algo que não estava em seus planos, Anahí (Nayra Calle Mamani), a filha de Jacinta, de apenas cinco meses de idade. Mesmo a contragosto, Rubén acolhe a mãe e a criança em seu caminhão e segue viagem.
Desde os primeiros planos, em que acompanhamos o início da viagem e os hábitos diários de Rubén, o diretor Giorgelli faz questão de mostrar que seu personagem principal vive em um universo fechado, e que tanto Jacinta quanto sua filha são elementos estranhos a esse ambiente. Os dez minutos iniciais do longa, até o momento em que Rubén encontra Jacinta, não possuem nenhum diálogo. Nesse espaço de tempo, Giorgelli apresenta traços da personalidade do caminhoneiro apenas através de suas expressões, gestos e pequenas ações.
Ao longo da projeção, os diálogos vão surgindo timidamente, sempre curtos, servindo para informar apenas o básico sobre os personagens. Essa construção gradativa e sem pressa é um dos acertos do diretor, que se mostra extremamente seguro em seu primeiro trabalho atrás das câmeras. Giorgelli impõe uma mise en scène rígida, trabalhando sempre com planos médios e fechados, com raríssimos planos abertos. Isso serve para delimitar o universo particular de Rubén, a cabine de seu caminhão. A invasão de seu território por Jacinta e Anahí é, a princípio, rejeitada por Rubén, que apesar de nunca se mostrar rude com suas passageiras, aparenta estar visivelmente incomodado com a situação.
Mesmo com essa construção cênica muito bem calculada, Giorgelli toma o cuidado de não deixar que a artificialidade tome conta de seu filme. Ao contrário, uma das grandes qualidades de “Las Acacias” é a naturalidade que o filme exala. Esse efeito se deve essencialmente à condução e ao desempenho do casal protagonista. Em seu primeiro trabalho, Hebe Duarte interpreta Jacinta com muita delicadeza, transformando-a em uma personagem frágil e extremamente simpática. Germán de Silva, constrói Rubén de forma magistral. O calado, e aparentemente rabugento, caminhoneiro vai lentamente se mostrando um homem solitário, que dentro de seu cansativo dia a dia ainda encontra espaço para pequenos prazeres, como tomar o seu mate ou comprar um presente de aniversário para a irmã que não vê há meses. O diretor abdica também do uso de trilha sonora, para conferir ainda mais realismo às emoções despertadas por seu filme.
Mas é mesmo a personagem da criança, Anahí, que se torna a alma do longa. A pequena Nayra é um verdadeiro achado. Com seu rosto e olhos expressivos, a garota provoca verdadeiro encantamento, transmitindo total espontaneidade, como se a história fosse sendo construída em torno de suas ações. Com essa facilidade para encantar o público, fica mais simples compreender o efeito causado em Rubén, que começa a criar afeição pela garota, acabando por refletir esse afeto também por Jacinta.
Giorgelli não aposta em grandes reviravoltas, conflitos ou novos personagens, o trio central tem pouquíssimo contato com o mundo fora do caminhão, e demonstrando muita competência e sensibilidade (que lhe valeram o prêmio Caméra D’Or no Festival de Cannes em 2011), consegue tirar complexidade de sua trama aparentemente simples e direta. Elementos externos à jornada do trio principal não interessam ao cineasta, apenas os efeitos que exercem nos mesmos. Por isso, se não há maior aprofundamento no motivo pelo qual Rubén não vê seu filho há mais de cinco anos, é porque o que interessa a Giorgelli é que essa ausência faça com que o instinto paternal do caminhoneiro aumente ainda mais com a presença de Anahí. Da mesma forma, quando Jacinta chora ao fazer uma ligação para sua mãe, o motivo do pranto não é revelado. A causa não é foco, mas sim sua consequência, com a preocupação de Rubén em relação à garota.
E assim, de forma sutil, o filme ganha traços de um possível romance. Rubén finalmente consegue enxergar novos rumos, redescobre a possibilidade de trilhar caminhos diferentes. Ao final da viagem, o público se dá conta de que, assim como Jacinta e Anahí, também se tornou um passageiro no caminhão de Rubén, acompanhando de perto sua belíssima e tocante jornada de recomeço.
Por Leonardo Ribeiro
O filme acompanha a história de Rubén (Germán de Silva), um simples caminhoneiro que está transportando uma carga de madeira, saindo de Assunção no Paraguai com destino a Buenos Aires. Paralelamente ao seu trabalho, Rubén aceita outra tarefa, a pedido de seu chefe: dar carona a uma jovem paraguaia, Jacinta (Hebe Duarte), até a capital argentina. Quando encontra a garota, o caminhoneiro se depara, então, com algo que não estava em seus planos, Anahí (Nayra Calle Mamani), a filha de Jacinta, de apenas cinco meses de idade. Mesmo a contragosto, Rubén acolhe a mãe e a criança em seu caminhão e segue viagem.
Desde os primeiros planos, em que acompanhamos o início da viagem e os hábitos diários de Rubén, o diretor Giorgelli faz questão de mostrar que seu personagem principal vive em um universo fechado, e que tanto Jacinta quanto sua filha são elementos estranhos a esse ambiente. Os dez minutos iniciais do longa, até o momento em que Rubén encontra Jacinta, não possuem nenhum diálogo. Nesse espaço de tempo, Giorgelli apresenta traços da personalidade do caminhoneiro apenas através de suas expressões, gestos e pequenas ações.
Ao longo da projeção, os diálogos vão surgindo timidamente, sempre curtos, servindo para informar apenas o básico sobre os personagens. Essa construção gradativa e sem pressa é um dos acertos do diretor, que se mostra extremamente seguro em seu primeiro trabalho atrás das câmeras. Giorgelli impõe uma mise en scène rígida, trabalhando sempre com planos médios e fechados, com raríssimos planos abertos. Isso serve para delimitar o universo particular de Rubén, a cabine de seu caminhão. A invasão de seu território por Jacinta e Anahí é, a princípio, rejeitada por Rubén, que apesar de nunca se mostrar rude com suas passageiras, aparenta estar visivelmente incomodado com a situação.
Mesmo com essa construção cênica muito bem calculada, Giorgelli toma o cuidado de não deixar que a artificialidade tome conta de seu filme. Ao contrário, uma das grandes qualidades de “Las Acacias” é a naturalidade que o filme exala. Esse efeito se deve essencialmente à condução e ao desempenho do casal protagonista. Em seu primeiro trabalho, Hebe Duarte interpreta Jacinta com muita delicadeza, transformando-a em uma personagem frágil e extremamente simpática. Germán de Silva, constrói Rubén de forma magistral. O calado, e aparentemente rabugento, caminhoneiro vai lentamente se mostrando um homem solitário, que dentro de seu cansativo dia a dia ainda encontra espaço para pequenos prazeres, como tomar o seu mate ou comprar um presente de aniversário para a irmã que não vê há meses. O diretor abdica também do uso de trilha sonora, para conferir ainda mais realismo às emoções despertadas por seu filme.
Mas é mesmo a personagem da criança, Anahí, que se torna a alma do longa. A pequena Nayra é um verdadeiro achado. Com seu rosto e olhos expressivos, a garota provoca verdadeiro encantamento, transmitindo total espontaneidade, como se a história fosse sendo construída em torno de suas ações. Com essa facilidade para encantar o público, fica mais simples compreender o efeito causado em Rubén, que começa a criar afeição pela garota, acabando por refletir esse afeto também por Jacinta.
Giorgelli não aposta em grandes reviravoltas, conflitos ou novos personagens, o trio central tem pouquíssimo contato com o mundo fora do caminhão, e demonstrando muita competência e sensibilidade (que lhe valeram o prêmio Caméra D’Or no Festival de Cannes em 2011), consegue tirar complexidade de sua trama aparentemente simples e direta. Elementos externos à jornada do trio principal não interessam ao cineasta, apenas os efeitos que exercem nos mesmos. Por isso, se não há maior aprofundamento no motivo pelo qual Rubén não vê seu filho há mais de cinco anos, é porque o que interessa a Giorgelli é que essa ausência faça com que o instinto paternal do caminhoneiro aumente ainda mais com a presença de Anahí. Da mesma forma, quando Jacinta chora ao fazer uma ligação para sua mãe, o motivo do pranto não é revelado. A causa não é foco, mas sim sua consequência, com a preocupação de Rubén em relação à garota.
E assim, de forma sutil, o filme ganha traços de um possível romance. Rubén finalmente consegue enxergar novos rumos, redescobre a possibilidade de trilhar caminhos diferentes. Ao final da viagem, o público se dá conta de que, assim como Jacinta e Anahí, também se tornou um passageiro no caminhão de Rubén, acompanhando de perto sua belíssima e tocante jornada de recomeço.
Por Leonardo Ribeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário