Cena Preparatória
Abajur Lilás
PLÍNIO MARCOS
Adaptação: Alex Capelossa
(2 mulheres)
DILMA (entra começa a se arrumar. Depois de um tempo, vai até a cama e sacode Célia) Acorda, Célia. Já é tarde paca. Acorda, Célia. Tá na hora acorda.
CÉLIA (acordando) Que horas são?
DILMA Quase três.
CÉLIA Porra!
DILMA Porra mesmo.
CÉLIA Três horas! E a bichona velha não piou por aqui?
DILMA Botou a fuça, te viu apagada e saiu no pinote. Acho que tá a fim de te aprontar uma.
CÉLIA Filho da puta!
DILMA (se arrumando) Anda, Célia. Não dá sopa pra sorte.
CÉLIA Que ressaca!
DILMA Quem manda beber?
CÉLIA Só de caco cheio agüento essa zorra. Parece que levei uma surra do cacete.
DILMA Você nem lembra que tomou umas biabas da bichona? Beber assim é pra se acabar.
CÉLIA Só me lembro que a bichona estava azeda.
DILMA Você se pegou com ele pra valer.
CÉLIA Que bosta! O veadão deve ter me acertado bem. Mas tem troco. Você vai ver.
DILMA Só se você der o troco com o rabo.
CÉLIA Você duvida?
DILMA Ele tem as armas na mão. O mocó é dele. Se você acerta ele, já viu. Ele te manda andar. E daí?
CÉLIA Me viro.
DILMA Como?
CÉLIA Sei lá, porra! Eu não sou nenhuma jogada fora. Me arranjo fácil.
DILMA Falar é fácil.
CÉLIA Você não tem bronca da bichona?
DILMA É só o que eu tenho. Mas também tenho meu filho pra criar.
CÉLIA Por ele. Pelo teu filho. Vamos meter a cara. Se a gente ferra o puto, de arma na frente, isso fica nosso.
DILMA Você pensa que é tudo no “toma lá, dá cá”. E o resto? E a cana? E os cupinchas da bicha?
CÉLIA Cupincha é cupincha. Eles estão com quem está no mando. Se a gente fica em cima, eles se bandeiam pro nosso lado.
DILMA É melhor você se vestir e se mandar pra rua. Eu já estou pronta e vou firme. Sei o que faço. Estou na putaria há mais tempo que você.
CÉLIA Malandra como você é, e tá na merda.
DILMA Estou criando meu nenê. Depois tudo muda. Até mais. (sai)
FIM
Cena Preparatória
A Falecida
NELSON RODRIGUES
Adaptação: Beto Marcondes
(2 homens)
Tuninho acaba de ficar viúvo de Zulmira. Encontra-se com o amante dela, um alto executivo para pedir dinheiro emprestado.
PIMENTEL Que é que há?
TUNINHO (tímido e gaguejante) Vim da parte de Zulmira... Aliás, eu sou primo dela e...
PIMENTEL Zulmira?
TUNINHO O senhor não conhece? Zulmira...
PIMENTEL Uma moreninha?
TUNINHO Exato. Morena. Morena, de olhos verdes.
PIMENTEL Sente-se.
TUNINHO Obrigado.
PIMENTEL (nostálgico) Me lembro. Agora me lembro... Zulmira...
TUNINHO Pois é.
PIMENTEL E que fim levou ela?
TUNINHO Faleceu!
PIMENTEL Quando?
TUNINHO Há coisa de uma meia hora, quarenta minutos.
PIMENTEL Mas não é possível! Não pode ser!
TUNINHO Morreu!
PIMENTEL De que?
TUNINHO Pulmão!
PIMENTEL Que coisa!
TUNINHO E eu estou aqui, por que... Pouco antes de morrer, ela me chamou e... Mandou pedir para o senhor pagar o enterro dela...
PIMENTEL Eu? O enterro?... Eu, pagar?... Mas... E o marido?
TUNINHO Está desempregado.
PIMENTEL Compreendo. O senhor é um primo?
TUNINHO Primo.
PIMENTEL E se está aqui, é porque sabe, naturalmente sabe... Zulmira lhe contou?
TUNINHO Por alto...
PIMENTEL Não se incomoda que eu fale no assunto?
TUNINHO Em absoluto. E até gostaria de saber... Porque eu não desconfiei, nunca... Nem eu nem ninguém... Só vim a saber agora... Francamente caí das nuvens...
PIMENTEL Grande pequena! O corpo que eu gosto – nem gorda, nem magra: na medida!
TUNINHO Foi fácil ou difícil?
PIMENTEL Se foi fácil ou difícil? Basta que eu lhe diga o seguinte: foi a única mulher que eu conquistei no peito, à galega. Entrei de sola!
TUNINHO De sola como?
PIMENTEL Foi há mais ou menos um ano. Sabe aquela sorveteria da Cinelândia, que fica perto do Odeon?
TUNINHO Conheço, sim...
PIMENTEL Pois é... Entrei na sorveteria e... Fui lá dentro... Mas em vez de empurrar a porta dos “Cavalheiros”, empurrei a porta das “Senhoras”. Abri assim e dou de cara com uma dona na pia, lavando as mãos... Eu ia voltar atrás, mas ah! Não sei o que houve comigo! Deu-me a louca e já sabe: ataquei a fulana... Não houve uma palavra entre nós, nada.
TUNINHO E ela?
PIMENTEL Que é que tem?
TUNINHO Reagiu? Gritou?
PIMENTEL Nem piou! E se gritasse, o marido estava lá, a cinco metros, tomando sorvete. Menino! E era hora de lanche, de movimento!Tivemos tanta sorte que não apareceu ninguém... Tudo durou uns cinco minutos. O gozado é que nesses cinco minutos. Tinha havido o diabo entre nós...
TUNINHO E o marido tomando sorvete!
FIM
Cena Preparatória
À margem da vida
TENNESSE WILLIAMS
Adaptação: Renata Kamla
(2 mulheres)
Laura está sozinha em casa cuidando da sua coleção de bichinhos de vidros, apesar de adulta, é muito tímida e tem um defeito na perna. Sua mãe Amanda chega.
LAURA Oi mamãe, eu estava... (Laura finge que estava estudando datilografia)
AMANDA Que decepção! Que decepção!
LAURA Que tal a reunião das filhas da Revolução Americana? Você não foi à reunião, mamãe?
AMANDA Não, não fui. (tira o papel da máquina e rasga em dois pedaços)
LAURA Por que você fez isso, mamãe?
AMANDA Por quê? Por quê? Quantos anos você tem, Laura?
LAURA Mamãe, você sabe minha idade...
AMANDA Eu pensei que você fosse adulta, mas parece que me enganei.
LAURA Por favor não me encare assim.
AMANDA O que vamos fazer agora, o que vai ser de nós, que futuro nos aguarda?
LAURA Mamãe, por favor me diga o que foi que aconteceu!
AMANDA Como você sabe, esta tarde eu ia ser empossada no meu posto nas Filhas da Revolução Americana. Mas dei um pulo à Escola Comercial para avisar seus professores de que você estava resfriada e perguntar se eles achavam que você estava progredindo no curso.
LAURA Ah!
AMANDA Fui falar com a professora de datilografia e me apresentei como sua mãe. Ela nem sabia quem você era. Você só freqüentou uns dias do curso. A matrícula de cinqüenta dólares, todos os nossos planos, minhas ambições e esperanças para o seu futuro, tudo perdido!
LAURA Eu não podia voltar à escola. Eu vomitei no chão...
AMANDA E o que vamos fazer o resto de nossas vidas? Divertir-nos com o zoológico de vidro, querida? Tocar eternamente esses discos que seu pai deixou de recordação? Geralmente as moças que não dão para o comércio acabam casando com um homem de bem. Laura, é isso que você vai fazer.
LAURA Mas, mamãe...Eu sou... aleijada!
FIM
Cena Preparatória
Bailei na curva
JULIO CONTE E OUTROS
(3 mulheres)
Ruth está em seu quarto se arrumando para sair à noite. Chega Vera que vai com ela. Elas vão sair com meninos. Luciana é irmã mais nova de Ruth.
VERA (de fora) Ruth!
RUTH Oi... entra.
VERA São quase sete horas.
RUTH Você está pronta?
VERA Mais ou menos e você?
RUTH O que você acha?
VERA Ta legal, mas seu sutiã está aparecendo.
RUTH Arruma, arruma!
VERA Estou arrumando. Vê se o meu modess está marcando?
RUTH Não.
VERA Posso dar uma olhada nas suas roupas?
RUTH Pode. Vera... faz tempo que você menstruou?
VERA Eu tinha treze, mais de dois anos... e você?
RUTH Pra mim demorou um pouquinho...
VERA Foi, é?
RUTH A mãe até me levou ao médico, mas eu fui porque ela insistiu... eu nem tava preocupada...
VERA É mesmo?
RUTH Mas agora já veio.
VERA Veio?
RUTH Faz um tempão... dois meses!
VERA Deixa eu me pintar? Sabe, minha mãe não deixa eu comprar pintura!
RUTH Pode usar. Vera, você gosta do Pau’Renato?
VERA Gosto.
RUTH E vocês já são namorados?
VERA Olha ele não me pediu assim em namoro, né...
RUTH Mas ele já te beijou, né?
VERA Já.
RUTH Com língua ou sem língua?
VERA Com os dois.
RUTH E é bom?
VERA É. Você nunca beijou?
RUTH Já... quer dizer, só assim... no rosto.
VERA Não, eu digo assim, beijo de homem com mulher?
RUTH Onde foi que você aprendeu?
VERA Na mão, oh! (Vera mostra, beijando a própria mão. Ruth acompanha o movimento)
RUTH Vera, você acha que o Torugo vai me pedir em namoro?
VERA Disseram que ele gosta de você e está a fim de te beijar.
RUTH Só se ele me pedir em namoro.
VERA E você vai aceitar na hora?
RUTH Não sei, o que você acha?
VERA Eu acho que com o Torugo é bom se fazer de difícil.
RUTH Eu vou pedir um tempo pra pensar. (entra Luciana)
LUCIANA Pensar em quê?
RUTH Nada. Como é que você vai entrando no quarto dos outros sem pedir?
LUCIANA Eu estava ali atrás da porta faz um tempão.
RUTH E ficou escutando, né?
LUCIANA Eu não estava escutando nada. (pra Vera) É verdade que você já beijou?
RUTH Não estava escutando nada, não é?
LUCIANA Não estava escutando nada ta Ruth.
RUTH Sai daqui!
LUCIANA A mãe disse que você só sai se eu for junto.
RUTH Você já foi se oferecer!
LUCIANA Foi ela quem mandou.
RUTH Sai daqui!
LUCIANA Olha que eu conto tudo pra mãe. (ameaça sair)
VERA (impedindo) Pra tua mãe não! Ruth, se ela falar com sua mãe, você não sai!
RUTH Ta bom! Você vai! Puta que pariu, que merda!
LUCIANA Ai, Ruth, que baita palavrão! Pu-ta-que-o-pa-riu-que-mer-da! Grandão, heim?
(Saem todas)
FIM
Cena Preparatória
Boca de Ouro
NELSON RODRIGUES
Adaptação: Alex Capelossa
(2 homens)
LELECO (entrando)
BOCA (bebendo) Você que é o Leleco? Marido da... Celeste?
LELECO Sou.
BOCA Aqui em Madureira não há quem eu não conheça!
LELECO Eu vim aqui por que...
BOCA (cortando) Meu filho, você joga?
LELECO Eu?
BOCA Jogo do bicho? Em cavalos? Sinuca você joga, não joga?
LELECO Por quê?
BOCA Mas joga?
LELECO De vez em quando!
BOCA Sempre! Não sai da sinuca! (ri) Tem mulher, casa e gasta o dinheiro no jogo! Ou minto?
LELECO Jogo!
BOCA (baixo) Mas tem uma mulher bonitinha?
LELECO Por quê?
BOCA Continua, meu filho.
LELECO É que a minha sogra morreu. De forma que...
BOCA Você veio me tomar dinheiro!
LELECO Mas eu pago! É só emprestado!
BOCA Diz uma coisa: a troco de que, eu vou te dar dinheiro de mão beijada? Te conheço?
LELECO Mas eu pretendo pagar!
BOCA (pausa) Quanto?
LELECO Eu preciso de uns... dez mil... muito?
BOCA Meu filho estou disposto a dar... digamos... até cem mil.
LELECO (espantado) Quanto?
BOCA Cem mil!
LELECO Muito!
BOCA Escuta, você não vai gastar tudo com o enterro, gasta vinte. E fico com o resto. Dá presentes à tua mulher, vestidos, jóias, sei lá. Ela gosta de jóias?
LELECO Minha mulher queria muito uma televisão!
BOCA Não disse? Batata, meu filho, batata. Compra a televisão pra tua mulher. (pegando o dinheiro)
LELECO O senhor não imagina como...
BOCA Aqui está os cem mil.
LELECO Deus lhe abençoe, Boca de Ouro.
BOCA Calma. Agora escuta o resto. Tem uma condição.
LELECO Mas eu lhe pago!
BOCA Rapaz, não se trata de pagar.
LELECO Qual é a condição?
BOCA Que tua mulher venha aqui buscar o dinheiro!
LELECO (espantado) Minha mulher?
BOCA Não tens mulher? Então, manda a tua mulher aqui! Em pessoa! Quero tua mulher aqui!
LELECO Mas é que estou com um pouquinho de pressa...
BOCA Por causa do enterro da tua sogra? Rapaz! São cem mil pacotes! Eu darei os cem pacotes à tua mulher, em mão! Quero tua mulher, sozinha!
LELECO Por que sozinha? Eu venho também. Ela vem comigo!
BOCA (alterado) Rapaz! São cem pacotes! Quero bater um papo com tua mulher, sem a tua presença! Sozinha! Ou você esquece que é um jogador? Um viciado? Eu conheço um jogador, ele vende a própria mulher pra jogar!
LELECO O senhor está nervoso!
BOCA Telefona dali! O telefone é ali. Telefona pra tua mulher.
LELECO (sai lentamente)
BOCA (num berro) Que venha sozinha!
FIM
Cena Preparatória
Bodas de Sangue
FEDERICO GARCIA LORCA
Adaptação: Zé Aires
(2 mulheres)
Minutos antes acabam de partir o noivo e sua mãe, que vieram pedir a mão da noiva em casamento e deixaram presentes.
CRIADA Estou louca para ver os presentes.
NOIVA (áspera) Sai!
CRIADA Ai, menina, deixe eu ver!
NOIVA Não quero.
CRIADA Ao menos, as meias. Dizem que são todas rendadas!
NOIVA Já disse que não!
CRIADA Por Deus. Está bem. É como se não estivesse com vontade de casar.
NOIVA (mordendo a mão com raiva) Ai!
CRIADA Menina, filha, o que você tem? É pena de deixar tua vida de rainha? Não pense nessas coisas tristes. Tem algum motivo? Nenhum. Vamos ver os presentes. (apanha a caixa)
NOIVA (agarrando-a pelos pulsos) Larga.
CRIADA Ai, mulher!
NOIVA Larga, já disse.
CRIADA Tem mais força que um homem.
NOIVA Não tenho feito trabalho de homem? Antes eu fosse!
CRIADA Não fale assim!
NOIVA Cale-se já disse. Vamos mudar de assunto!
CRIADA Você ouviu um cavalo ontem à noite?
NOIVA Que horas?
CRIADA Às três.
NOIVA Era algum cavalo solto?
CRIADA Não era, tinha cavaleiro!
NOIVA Como você sabe?
CRIADA Porque eu vi. Estava parado na sua janela, estranhei muito.
NOIVA Não seria o meu noivo? Algumas vezes ele passa essa hora!
CRIADA Não.
NOIVA Você o viu?
CRIADA Vi.
NOIVA Quem era?
CRIADA Era Leonardo.
NOIVA (forte) Mentira! Mentira! O que veio fazer aqui?
CRIADA Veio.
NOIVA Cale-se! Maldita seja a sua língua!
CRIADA (à janela) Olha. Chega aqui! Era?
NOIVA Era.
FIM
Cena Preparatória
Eles não usam Black-Tie
GIANFRANCESCO GUARNIERI
Adaptação: Marcia Azevedo
(2 homens)
É o dia do noivado de Tião. Lá fora os convidados chegam. Tião chega da rua feliz, encontra
pai na cozinha lendo jornal.
TIÃO Tem uma nota sobre a greve na primeira página!...
OTÁVIO Se até as oito horas da noite não derem o aumento, greve geral na metalúrgica!
TIÃO Ninguém tem peito, pai!
OTÁVIO Como não tem peito? Ta esquecido do ano passado?
TIÃO Eu não tava lá.
OTÁVIO Mas eu estava!
TIÃO Deram parte do aumento, parte! E mesmo assim porque todas as categorias aderiram, hem!Mas agüentá o tranco sozinho, ninguém.
OTÁVIO Espera só a assembléia de hoje e vai ver se tem peito ou não! Eu tinha avisado, heim! O ano passado entramos em acordo com o patrão e foi o que se viu. Agora aprenderam.
TIÃO E por que entraram em acordo?
OTÁVIO Porque parte da comissão amoleceu...
TIÃO Ta vendo, t’ai! Se, em greve de conjunto metade da turma amoleceu...
OTÁVIO Metade da turma não senhor! Metade da comissão.
TIÃO E então?
OTÁVIO E então, o que? Eram pelegos! A turma topava, mas tinha meia dúzia deles que eram pelegos.A turma topava, os pelegos deram pra trás.
TIÃO Não, pai. Pro senhor, quem não pensa como o senhor é pelego...
OTÁVIO Nada disso! Eram pelegos no duro. A turma que t’ai é a mesma turma que fez greve o ano passado e que agüentou tropa de choque em 51.
TIAÕ É por isso mesmo tão cansados e não querem sabe de arrisca o emprego...
OTÁVIO Tu ta discutindo como um safado!Pois fica sabendo que lá tem operário e não menino família pra medrá.(pausa) Tu vai me dize com o resultado da assembléia de hoje!(pausa) Tu tem medo...
TIÃO De que?
OTÁVIO Uma porção de medos...Um é de perde o emprego.
TIÃO Não é medo...
OTÁVIO Então por que tu foi vê se arrumava emprego no escritório da fábrica?
TIÃO Ganha mais.
OTÁVIO Tu também procurou na fábrica do Dalmo...lá ganha menos...
TIÃO Foi só pra ter uma idéia...
OTAVIO Tu acha que agüenta as lutas da fábrica sem medo?
TIÃO Se os outros agüenta.
OTÁVIO Se não agüentasse? A assembléia é hoje á noite. Bráulio ta lá, ele vem com as novidades. É capaz de vender as calças pra prestar um favor...
TIÃO Tem poucos assim!
OTÁVIO Engano.
TIÃO Ninguém vale nada, pai!
OTÁVIO Como você tem medo!
TIÃO (irritado) Mas medo de que, bolas!
OTÁVIO De ser pobre...da vida da gente!
TIÃO (com gesto de quem afasta os pensamentos) Ah! Tou é nervoso...tou apaixonado, pai...Não liga, não!
FIM
Cena Preparatória
Gota d’água
Paulo Pontes e Chico Buarque
Adaptação: Alex Capelossa
(1 homem e 1 mulher)
Casa de Joana. Jasão vem pedir para Joana sair pacificamente da casa, antes que Creonte o faça.
JASÃO Joana... Joana... Joana...
JOANA (aparece) Não, você não. Não quero nada com você, Jasão (querendo sair)
JASÃO Espera.
JOANA Filho meu não vai te ver.
JASÃO Não vim por isso.
JOANA Que é que você quer?
JASÃO Falar com você.
JOANA O que?
JASÃO Calmamente.
JOANA É coisa ruim.
JASÃO Espera.
JOANA Não mente.
JASÃO Vim fazer uma proposta.
JOANA Proposta?
JASÃO É. E preciso logo da resposta. (pausa; silêncio mortal) Quero pedir. Pedir, não. Implorar. Que você... arranje um outro lugar. É... quem sabe? Talvez até... melhor, quer dizer... pode ser até maior...
JOANA Pára, Jasão, pára! Assim já é demais. Você tem cara pra vir aqui e me botar pra fora?
JASÃO Não é assim, Joana. Vim aqui na melhor das intenções pra cumprir com minhas obrigações de pai.
JOANA Pai? Porra, que pai! Essa não!
JASÃO Não grita! Eu vim buscar a solução ideal, acredite se quiser, eu fico te pagando todo mês uma pensão, seria uma espécie de aposentadoria.
JOANA Eu não quero dinheiro de Creonte.
JASÃO O dinheiro é meu!
JOANA É? Qual é a fonte de renda? Violão?
JASÃO Isso não importa.
JOANA Você quer me convencer, Jasão — corta essa — que com a sua batucada vai sustentar a princesa dourada de Creonte? Qual é?
JASÃO Ai, meu cacete.
JOANA Eu não quero esse dinheiro.
JASÃO Não vim discutir. Vim pra ver o que é que você pretende fazer.
JOANA Nada, eu vou ficar aqui. E você.
JASÃO Isso não dá.
JOANA Por quê?
JASÃO O dono do imóvel não quer.
JOANA Otário, Creonte é ladrão.
JASÃO Ele é proprietário.
JOANA É proprietário seu.
JASÃO Está co’a lei.
JOANA Vou sair e perder o que paguei?
JASÃO Você está atrasada.
JOANA Eu sei, Jasão. Estou e nunca mais pago um tostão. O preço que constava na escritura eu já paguei. Por isso eu digo, Jasão, essa casa é minha, sim, e Creonte é ladrão.
JASÃO Falando assim, mulher, você se arrasa.
JOANA Não. Esta casa eu paguei, seu Jasão.
JASÃO Creonte tem a lei.
JOANA Então me diz, se tem tanta gente aí atrasada, qual é a explicação? O que é que eu fiz, que sou a única a ser despejada?
JASÃO Você fica esculhambando Creonte. Futrica, xinga a mãe, zomba. Tá bom, comigo você faz, desfaz. vinga, amaldiçoa. Mas fazer guerra contra um cara que é dono dessa terra, das casas, de tudo, ora, olha pra mim, Joana.
JOANA Pois eu amaldiçôo, sim. Você, Creonte e aquela mosca morta.
JASÃO Quer dizer que você não quer acordo?
JOANA Acordo com Creonte? Ah, eu me mordo, mas não faço o que ele quer.
JASÃO Então eu lavo as minhas mãos, mulher. (sai)
JOANA (gritando) Corre! Vai procurar aquela puta! Não fica perdendo tempo comigo. Vai bajular Creonte, mas, escuta, de algum lugar há de vir o castigo. A vida não é assim, seu Jasão. Não se pode ter tudo impunemente.
FIM
Cena Preparatória
Navalha na carne
PLÍNIO MARCOS
Adaptação: Alex Capelossa
(1 homem e 1 mulher)
NEUSA SUELI (entrando no quarto, encontra Vado) Oi, você está aí?
VADO Que você acha?
N. SUELI É que você nunca chega cedo.
VADO Não cheguei, sua vaca! Ainda nem saí!
N. SUELI Não precisa se zangar. Só perguntei por perguntar.
VADO Quer bancar a engraçada? Vou encher a lata de alegria. (começa a torcer o braço de Neusa Sueli)
N. SUELI Poxa, você está me machucando. Que foi que eu fiz?
VADO Quer se fingir de boba?
N. SUELI Abre o jogo de uma vez. O que é que eu te fiz? Já foram fazer alguma fofoca de mim pra você, é?
VADO Fica querendo se fazer de sabida, depois se queixa. Se tentar me engrupir, te arrebento todos os dentes.
N. SUELI Não tem babado. Só não estou por dentro da sua bronca.
VADO Não está, né? Agora olha, sua puta sem-vergonha! (mostra os bolsos vazios) Morou, agora?
N. SUELI Está na lona?
VADO Eu estou duro! Estou a zero! A zero, sua vaca!
N. SUELI E a culpa é minha?
VADO Vagabunda miserável! Quem você pensa que é? Pensa que eu te aturo por quê? Anda responde!
N. SUELI Eu sei... eu sei...
VADO Sabe, né? Então diz. Por que eu te aturo?
N. SUELI Por causa da grana.
VADO Isso mesmo. Estou com você por causa do tutu.
N. SUELI Te dou a grana. Se você torra, que posso fazer?
VADO Que grana você me deu hoje?
N. SUELI Não deixei dinheiro aí no criado-mudo?
VADO Ficou louca?
N. SUELI Claro que deixei o tutu aí.
VADO Mentirosa! Nojenta!
N. SUELI Só sei que botei o dinheiro aí no criado-mudo, como todo dia.
VADO Não conversa, não. Quero saber onde está a porra do dinheiro.
N. SUELI Botei aí. Tô falando.
VADO Então alguém pegou.
N. SUELI Será?... Será que foi o desgraçado do Veludo?
VADO Ele não ia ter peito.
N. SUELI Ele entrou aqui hoje depois que saí?
VADO Como vou saber? Estava dormindo.
N. SUELI Acho que o sacana veio arrumar o quarto, viu você apagado, passou a mão na grana e se mandou.
VADO Não inventa! Ele não ia ser tão cara-de-pau assim.
N. SUELI Não sei, não. Vi o garoto do bar saindo do quarto do Veludo.
VADO E daí? Ele dá o que é dele.
N. SUELI Pois é. Mas há muito tempo ele vem cozinhando o garoto e não arrumava nada porque estava duro, e o garoto cobrava caro pra entrar na dele.
VADO Será que ele afanou meu tutu pra dar praquele trouxinha?
N. SUELI Se ele entrou aqui hoje, foi ele.
VADO Mato esse puto de merda, se foi ele. Chama essa bicha miserável!
N. SUELI (sai para chamar)
VADO (...?!)
FIM
Cena Preparatória
Nossa vida em família
ODUVALDO VIANNA FILHO
Adaptação: Beto Marcondes
(2 homens e 1 mulher)
Jorge fala com seu patrão, senhor Honório, sobre aumento pois está precisando ajudar os pais que foram despejados.
HONÓRIO Claro, senhor Jorge, a função do senhor é vender, claro, mas o senhor tem acertado dedetizações demais, acima de nossa capacidade.
JORGE Preciso de muito dinheiro, Dr. Honório, muito dinheiro. É a primeira vez que reclamam de mim porque estou trabalhando bem.
HONÓRIO Mas eu sou uma indústria em instalação, senhor Jorge, dedetização sofre concorrência dessas firmas enormes de inseticidas... tenho que vender com uma margem de lucro muito estreita, não tenho capital para ampliar instalações ...
JORGE Os senhores se desapertaram dessa briga com a concorrência, tirando parte de nossa comissão de vendedores ...
HONÓRIO Senhor Jorge, vamos ver se nos entendemos, nós aumentamos a comissão de vocês.
JORGE Não houve aumento. Os senhores agora nos pagam comissão verdadeira. E se vocês não podem atender todas as vendas que eu faço, eu saio já, tenho um convite da Insetanil, sem limite de venda. .
HONÓRIO Por favor, vamos ser um pouco mais amenos, senhor Jorge?
(entra Lu)
LU Jorge, me disseram que você estava aqui, a moça disse que eu tinha de esperar...
JORGE Estou aqui numa reunião, mãe, por favor...
LU Seu pai está doente, seu pai está...
JORGE Este é o senhor Honório Lemos. Meu patrão.
LU Encantada, senhor Onofre.
JORGE Senhor Honório, mãe.
LU Desculpe. Desculpe estou que... me dá licença seu Osório?... Ele está doente, quero ir pra São Paulo, me paga uma passagem, por favor ...
JORGE Mãe, por favor ...
LU Por favor, Jorge, seu Osório entende...
JORGE Honório, mãezinha.
LU Honório, Honório, Honório... hoje é aniversário dele seu Osório.
JORGE Mãezinha ...
HONÓRIO Parabéns.
LU Olha... pra você. São uns lenços. A Anita não compra lenço pra você.
JORGE Obrigado, mãe. Depois a gente conversa, está bem?
LU Não vai abrir?
JORGE Lá em casa eu abro, mãe. Agora, vai.
LU Não me empurra, filhinho, deixa eu me despedir do moço... até logo... não vou acertar o seu nome ... é muito fresquinho nessa saIa... parabéns... parabéns também pra você, meu filho, outra vez ... até logo, senhor, apareça pra tomar um cafezinho. (saindo) Não me deixe sozinha, Jorge, por favor, por favor... (sai)
HONÓRIO Bem, senhor Jorge, desde que nós passamos a pagar a comissão integral sofremos um baque, com toda a sinceridade. Quero lhe propor um acordo... Quero propor que esqueçamos esse aumento de comissão.
JORGE Esquecer, como? Em qualquer vara do trabalho a gente ganha isso...
HONÓRIO Senhor Jorge, a sua comissão eu continuo pagando... não é possível que um vendedor que está há mais de dez anos na praça receba a mesma comissão que um menino ... você está com a zona de Flamengo-Botafogo, pois eu lhe ofereço Copacabana ...
JORGE Copacabana é do velho Martins. O senhor devia me conhecer bastante para saber que não pode me fazer uma proposta assim. Se os senhores querem mais lucros, consigam isenção de impostos, financiamentos do governo mas não desapertem em cima dos empregados...
HONÓRIO ... falar é fácil, me desculpe... mas usando a sua expressão, o senhor também não devia "desapertar", desculpe, dentro da sua família.
JORGE Não entendi.
HONÓRIO Me pareceu, desculpe, que o senhor tem uma certa vergonha dos problemas que lhe traz sua família, da senhora sua mãe... Desculpe, mas eu tenho que tratar os empregados como o senhor tratou a senhora sua mãe.
JORGE Senhor Honório, amanhã mesmo eu começo na Insetanil. E se o senhor fosse pouca coisa menos idoso, eu lhe daria um murro na boca. (sai)
HONÓRIO ?!?
FIM
Cena Preparatória
O beijo no asfalto
Nelson Rodrigues
Adaptação: Alex Capelossa
(1 homem e 1 mulher)
SELMINHA (Arandir chega) Até que enfim!
ARANDIR (segurando as mãos de Selminha) Ah, querida.
SELMINHA Por onde você andou?
ARANDIR Demorei, porque há uma hora que eu rondo a casa. Tinha um cara na esquina, olhando pra cá.
SELMINHA Você fala como se estivesse fugindo, meu bem.
ARANDIR (com falsa naturalidade) Fugindo eu? A troco de que? Não sou nenhum criminoso. Eu apenas. (muda de assunto) Telefonei para cá, sempre ocupado!
SELMINHA O telefone, meu bem. Tive de desligar, claro! Ligavam pra cá e diziam horrores!
ARANDIR Escuta Selminha, olha, se me procurarem, eu não estou pra ninguém.
SELMINHA Você leu?
ARANDIR (desesperado e suplicante) Pelo amor de Deus, esse assunto, não!
SELMINHA Uma pergunta só.
ARANDIR Não Selminha, não! Eu não estou em estado, compreende?
SELMINHA (doce mas irredutível) Arandir, olha pra mim, olha. O que o jornal diz. Só isso, meu bem. O que o jornal diz é verdade?
ARANDIR (dando-lhe as costas) Saí do emprego.
SELMINHA Te despediram?
ARANDIR Eu me despedi. Hoje, cheguei no emprego e começaram com piadinhas. Eles me chamaram de viúvo!
SELMINHA De que?
ARANDIR Viúvo! Do rapaz que morreu! Entende? Você acha que depois disso?
SELMINHA (atônita) E você?
ARANDIR Eu?
SELMINHA Você reagiu?
ARANDIR Eu não podia! Eu não!
SELMINHA (furiosa) Você devia ter quebrado a cara!
ARANDIR Até o chefe. Falou comigo como se eu... não sei, mas tive a impressão de que tinha nojo de mim, como se eu!
SELMINHA Arandir!
ARANDIR Querida! Senta comigo.
SELMINHA É verdade que?
ARANDIR Um beijo.
SELMINHA Primeiro responde. Preciso saber. Eu sou sua mulher. O jornal botou que você beijou na...
ARANDIR Eu te contei. Escuta. Quando eu me abaixei, o rapaz me pediu um beijo. Um beijo. Quase sem voz, e passou a mão por trás da minha cabeça. E puxou. E, na agonia, ele me beijou.
SELMINHA Na boca?
ARANDIR Já respondi.
SELMINHA Não foi assim que você me contou ontem. Discuti com meu pai. Jurei que você não me escondia nada!
ARANDIR Era alguém que estava morrendo. Selminha, querida olha! (procura beijá-la, Selminha foge com o rosto) Um beijo.
SELMINHA Não.
ARANDIR Você me nega um beijo?
SELMINHA Na boca, não.
ARANDIR Coração, olha. No emprego e aqui na rua. Ninguém acredita em mim. No lotação eu pensei: “Bem, mas eu tenho a Selminha!” Eu quero sentir. Saber que você está comigo, ao meu lado! Você é tudo que eu tenho!
SELMINHA Oh, cala a boca!
FIM
Cena Preparatória
O pagador de promessas
DIAS GOMES
Adaptação: Renata Kamla
(2 homens e 1 mulher)
É madrugada Zé e Rosa estão na frente da igreja com a cruz de madeira. Zé veio pagar uma promessa. A igreja ainda está fechada. Bonitão que estava passando por ali se depara com a cruz e com o casal, puxa conversa com Zé do burro. Está olhando minuciosamente para Rosa, que dorme no batente da igreja.
ROSA Que é?
BONITÃO Nada... estava só olhando... Não deve ser nada confortável essa cama... E Olhe que você merece coisa bem melhor.
ROSA Diga isso a ele. (aponta Zé do Burro)
BONITÃO A ele?
ROSA Meu marido.
BONITÃO Ah, você também veio pagar promessa...
ROSA Eu não, ele. E por causa dele estou dormindo aqui, no batente de uma igreja, como uma mendiga.
ZÉ Não deve faltar muito para abrir a igreja, ás seis horas deve ter missa. Hoje é dia de Santa Bárbara...
ROSA Ás seis horas! Tenho que agüentar mais uma hora aqui. E a promessa não é minha!
BONITÃO É capaz da porta da sacristia já estar aberta.
ZÉ O senhor acha?
BONITÃO Padre acorda cedo.
ZÉ Ás cinco horas?
BONITÃO Então; tem que se preparar para a missa das seis.
ZÉ É verdade.
BONITÃO Por que o senhor não vai ver?
ZÉ É...
BONITÃO A porta é do lado de lá.
ZÉ Rosa você vigia a cruz, eu vou dar a volta, não demoro. (sai)
BONITÃO Pode ir sem susto que eu ajudo a tomar conta da sua cruz. Das duas.
ROSA Só que uma ele carrega nas costas e a outra... se quiser que vá atrás dele.
BONITÃO Seu marido não lhe faz justiça. Isso não é trato que se dê a uma mulher, mesmo sendo mulher da gente. Você não é mulher para dormir em batente de igreja, devia dormir numa boa cama, com colchão e melhor companhia.
ROSA Não fale em cama para quem tem o corpo moído, como eu.
BONITÃO Tão cansada assim?
ROSA Duas noites sem dormir, sete léguas no calcanho.
BONITÃO Sete léguas? Quantos quilômetros?
ROSA Sei lá... só sei que sete vezes amaldiçoei aquele dia em que fui roubar caju com ele na roça dos padres.
BONITÃO Ah, foi assim...
ROSA A gente faz cada besteira.
BONITÃO Depois de cumprir a promessa, ele vai voltar pra roça?
ROSA Vai
BONITÃO E você?
ROSA Também. Por quê?
BONITÃO Se você viesse para a cidade poderia lhe garantir um bonito futuro...
ROSA Não faça isso! Ele pode voltar de repente. Eu queria era dormir.
BONITÃO Eu posso lhe arranjar um hotelzinho aqui perto.
ROSA Não chegue perto, estou suada.
BONITÃO No hotel tem banheiro e colchão de mola...
ROSA Nunca dormi num colchão de mola. Deve ser bom.
BONITÃO Uma delícia.
(Entra Zé do burro)
ZÉ Tudo fechado. Tem jeito não.
ROSA E eu que agüente esse batente duro até sabe lá que horas!
ZÉ Calma Rosa.
BONITÃO Eu posso arranjar uma boa cama, com colchão de mola, num hotel perto daqui.
ZÉ Pra ela?
BONITÃO E pro senhor também.
ZÉ Eu não posso. Tenho que esperar abrir a igreja. Se soubesse que não iam roubar a cruz...
BONITÃO Não, a cruz não deve ficar sozinha. Esta zona está cheia de ladrões.
ZÉ É o que eu acho. Não devo sair daqui.
BONITÃO Mas eu posso ficar tomando conta, enquanto o senhor e sua senhora vão descansar.
ZÉ Mas não é direito. Eu prometi cumprir a promessa sozinho, sem ajuda de ninguém. E essa história de dormir em hotel não estava no trato.
BONITÃO E sua senhora está no trato?
ZÉ Não, ela pode ir. Você quer, Rosa?
ROSA Quero não, Zé. Prefiro ficar aqui com você.
ZÉ Inda agora mesmo você estava se queixando. A promessa é minha não é sua. Vá com o moço, não tenha acanhamento.
ROSA Zé...
ZÉ Ah, sim, (Enfia a mão no bolso tira um maço de notas) Pode ser que precise pagar adiantado...
ROSA Talvez seja melhor, depois de entregar a cruz, você mandar também rezar uma missa em ação de graças.
FIM
Cena Preparatória
Os Sete Gatinhos
Nelson Rodrigues
Adaptação: Alex Capelossa
(2 homens)
NORONHA Tenha a bondade, Dr. Portela!
PORTELA Com licença.
NORONHA O senhor vai bem? Mas sente-se!
PORTELA Vou indo, com muito calor! E o senhor?
NORONHA Foi uma surpresa tão...
PORTELA Bem, seu Noronha. Podemos conversar?
NORONHA Mas claro! Estou às suas ordens!
PORTELA Seu Noronha, eu trouxe sua filha pelo seguinte: aconteceu, ontem, no colégio, um fato lamentável.
NORONHA Mas... com minha filha?
PORTELA Um fato, seu Noronha, que repercutiu muito mal. Mas veja o senhor: havia, no colégio, uma gata. Aliás não era nossa, era do vizinho.
NORONHA Sei, sei!
PORTELA E, um dia, notou-se que a gata ia ter nenê. Até, que ontem, no recreio na presença de todas as alunas, mataram a gata, a pauladas!
NORONHA (assustado) E quem? Quem matou?
PORTELA Seu Noronha, o senhor já viu uma morta dar à luz?
NORONHA Nunca.
PORTELA Pois eu vi! E foi o que aconteceu com a gata. Estava morta e os gatinhos, iam nascendo, diante das meninas e das professoras. Imagine: a mãe já morta e aquela golfada de vida! Sete gatinhos ao todo.
NORONHA Vivos?
PORTELA Todos vivos!
NORONHA Mas, afinal, quem matou?
PORTELA (baixo e incisiva) Sua filha?!
NORONHA (baixo também e atônito) Repita!
PORTELA Sua filha Silene!
NORONHA Minha filha? O senhor quer dizer que minha filha...
PORTELA Exatamente! Tem modos, sentimentos, idéias de menina e matou! Aquela infantilidade toda é uma aparência, seu Noronha!
NORONHA O senhor sabe o que está dizendo?
PORTELA (pouco caso) Eu entendo um pouco de psicologia!
NORONHA O senhor não conhece minha filha, como eu conheço... O senhor, se conhecesse Silene, nunca diria uma coisa dessas, e duvido!
PORTELA Sua filha deve fazer um tratamento sério!
NORONHA Que tratamento? Mas assim vai perder as aulas! (muda de tom) E se não foi minha filha?
PORTELA Há testemunhas, inclusive eu! Fui eu que a segurei, quando ela ia matar os gatinhos, também! Leve sua filha ao psiquiatra!
NORONHA (assombrado) Psiquiatra?
PORTELA (com satisfação) O quanto antes!
NORONHA Levar Silene a um médico de loucos? Mas nós temos um médico aqui no bairro, que é clinico...
PORTELA Psiquiatra, seu Noronha!
NORONHA E as aulas? Não pode perder as aulas!
PORTELA Acho que o senhor ainda não entendeu o problema...
NORONHA Como assim?
PORTELA Sua filha não voltará!
NORONHA (repetindo atônito) Não voltará... (lento) O senhor quer dizer que o colégio expulsa minha filha?
PORTELA Interprete como quiser.
NORONHA (desesperado) E por causa de uma gata prenha? (furioso) Responda, Dr. Portela! Por causa de uma gata prenha?
PORTELA O senhor está errado, seu Noronha!
NORONHA Vou aos jornais! Faço um escândalo!
PORTELA O senhor diz “gata prenha”, muito bem. (alterando-se) E daí? Uma gata, um bicho, um ser que é só instinto, que nada sabe do bem e do mal, uma gata não deve ser assassinada!
NORONHA (implorando) Mas há solução para tudo!
PORTELA Leve-a ao psiquiatra! Não devemos perder tempo. Leve-a ao psiquiatra!
NORONHA (humilde) E, depois, o colégio aceitaria minha filha de volta?
PORTELA Entenda, seu Noronha: um colégio tem responsabilidades. E que diriam os outros pais? A agressividade de sua filha é uma doença. Não pode conviver com as outras. Sinto, mas sua filha não pode voltar.
NORONHA (contido) É sua última palavra?
PORTELA Sim. Houve uma reunião lá e a decisão foi unânime. De forma que já vou, seu Noronha.
NORONHA Um momento!
PORTELA (olhando o relógio) Tenho hora marcada.
NORONHA (ameaçador) Ah, o senhor vai esperar! Minha filha chegou aqui chamando o senhor de mentiroso... temos que apurar isso direitinho...
PORTELA O senhor duvida?
NORONHA Acreditarei, se minha filha confessar... (sai gritando) Gorda! Gorda!
FIM
Cena Preparatória
Quando as máquinas param
PLÍNIO MARCOS
Adaptação: Lucas de Lucca
(1 homem e 1 mulher)
Zé está desempregado. Zelito, primo de sua esposa, ofereceu ajuda a ele ensinando-o a dirigir para que assim ele possa trabalhar como motorista.
ZÉ (entrando pensativo) Não vai dar pé, Nina.
NINA O quê?
ZÉ Essa jogada de ser motorista.
NINA Não sei por que.
ZÉ Falta de grana.
NINA Ora, que grana? O Zelito vai te ensinar.
ZÉ Mas pra tirar a carta?
NINA Minha mãe falou que empresta.
ZÉ Não quero esmola. Ainda mais da sua velha.
NINA Esmola, não. Dinheiro emprestado. Não sei por que você implica tanto com ela.
ZÉ Porque ela sempre me agourou. Ela não queria que você se casasse comigo.
NINA Ela só queria que a gente esperasse um pouco mais. Até você se firmar na vida.
ZÉ Ela que rogou praga na gente. Disse que eu não ia ser nada. Pimba, acertou na mosca! Praga de sogra seca até pimenta.
NINA Não fala assim, Zé. Mamãe sempre gostou muito de você. (começa a chorar) Você acha que ela ia querer nossa desgraça? Você é que nem filho pra ela.
ZÉ (pausa) Não chora! Estava brincando! Vai, Nininha, pára de chorar.
NINA Você falou sério.
ZÉ Falei brincando. Não brinco mais. (pausa) Só que é o fim da picada um cara precisar da grana da sogra pra aprender uma profissão.
NINA Bobagem, Zé, vai dar tudo certo. Posso falar pro Zelito que você topa?
ZÉ Que remédio, né? Pode.
NINA Sabe de outra coisa legal? Minha mãe falou que, se o seu Raul quiser a casa mesmo, ela faz um quarto nos fundos da casa dela pra nós. (Zé está abatido. Nina nem percebe. Vai tirando mantimentos da sacola e pondo em cima da mesa.) Olha quanta coisa mamãe deu pra gente?
ZÉ Nina, o que você pensa de mim? Você acha que vou comer esmola? Morar de esmola? Eu não sou aleijado. Quero trabalhar. Não vou viver de esmola.
NINA Eu sei! Mas não é esmola. Foi minha mãe que deu.
ZÉ Você deve ter chorado as pitangas. Ela ficou com uma puta pena da filhinha. Coitada, casada com um vagabundo…
NINA Mamãe só quer ajudar a gente. Ainda mais agora…
ZÉ Que que tem agora?
NINA Agora…
ZÉ Que você foi contar miséria?
NINA Não, Zé. Não é nada disso.
ZÉ Então por que só agora é que a coroa lembrou de dar uma colher de chá pra nós?
NINA Eu… estou grávida, Zé.
ZÉ Grávida?
NINA Vou ter um filho.
ZÉ E não dizia nada?
NINA Queria ter certeza.
ZÉ Vamos ter um filho?
NINA Se Deus quiser.
ZÉ Poxa, eu vou ser pai?
NINA Vai.
ZÉ Vou ser pai! Que legal!
NINA Quer homem ou mulher?
ZÉ Homem, claro! E você?
NINA O que Deus mandar está bom.
ZÉ (abraça Nina) Vem cá, Nininha. Vem cá.
NINA Tomara que nasça parecido com você.
ZÉ (bate na madeira) Isola! Isola! Já pensou uma criança com uma cara dessa? (riem)
FIM
Cena Preparatória
Romeu e Julieta
William Shakespeare
Adaptação: Carolina Costa
(1 homem e 1 mulher)
Jardim de Capuleto. Entra Romeu. Julieta aparece na janela de seu quarto.
ROMEU Silêncio! Que luz se escoa agora da janela? Será Julieta? Sim! É o meu amor. Se ela soubesse disso! Ela fala; contudo, não diz nada. Que importa? Com o olhar está falando. Vou responder-lhe. Não; sou muito ousado; não se dirige a mim.
JULIETA Romeu, Romeu! Ah! Por que é Romeu? Renega teu nome; ou então, jura ao menos que amor me tem, porque uma Capuleto deixarei de ser. Meu inimigo é apenas o teu nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob um outro nome teria igual perfume. Romeu, risca-o e em troca dele, fica comigo inteira.
ROMEU Sim, aceito tua palavra. Dá-me o nome apenas de Amor. De agora em diante não serei Romeu.
JULIETA (assustada) Quem é? Não é Romeu, um dos Montecchios?
ROMEU Não, nem um nem outro, se isso te desgosta.
JULIETA Diz-me como entraste e porque vieste. É muito alto o muro do jardim, difícil de escalar.
ROMEU O amor me fez transpor o muro, pois barreira alguma conseguirá deter do amor o seu curso.
JULIETA Quem lhe deu informações para até aqui chegar?
ROMEU O amor, deu-me conselhos e eu lhe emprestei olhos.
JULIETA Amas-me? Sei que vai dizer "sim", e creio no que diz.
ROMEU Senhora, juro pela lua...
JULIETA (interrompendo) Não jure pela lua, que é inconstante, para não parecer que seu amor é assim como ela, mutável.
ROMEU Por que devo jurar, então?
JULIETA Não jure; muito embora seja toda minha alegria, não me alegra a aliança desta noite. Boa noite, meu querido.
ROMEU Vai deixar-me sair mal satisfeito?
JULIETA Que alegria queria esta noite?
ROMEU Trocar contigo o voto fiel de amor.
JULIETA Antes que me pedisse, já te dei. (A ama chama dentro.) Ouço barulho dentro de casa. Adeus, amor! Adeus! – Ama, já vou! – Seja fiel, doce Montecchio. (Julieta sai)
ROMEU Que noite abençoada!
FIM
Cena Preparatória
Sonho de uma Noite de Verão
William Shakespeare
Adaptação: Alex Capelossa
(3 homens e 2 mulheres)
Entram Egeu, Hérmia e Lisandro.
EGEU Mil venturas desejo ao ilustre Teseu, nosso duque!
TESEU Obrigado, bom Egeu. Que há de novo?
EGEU Venho aqui para queixar-me de minha própria filha, Hérmia. Meu senhor, Demétrio tem meu consentimento para casar-se com ela. Vem cá, Lisandro. Mas este aqui enfeitiçou o coração de minha filha. Você sim, Lisandro, furtou o coração dela transformando sua obediência em rebeldia. Meu bom senhor, se diante de vós ela não consentir agora em casar com Demétrio, então invoco a lei de Atenas, que sendo minha filha, ou eu a entrego a este gentil homem ou à morte, segundo prevê a lei nesse caso.
TESEU Que tem a dizer, Hérmia? Pense bem. Deve considerar seu pai como um Deus, pois ele criou vossa beleza. Demétrio é um digno fidalgo.
HÉRMIA Lisandro também é.
TESEU Mas neste caso, faltando-lhe a aprovação de vosso pai, o outro deve ser considerado mais merecedor.
HÉRMIA Queria que meu pai visse com os meus olhos.
TESEU Seria melhor que seus olhos olhassem com o de seu pai.
HÉRMIA Perdoe minha ousadia ao defender o meu pensamento perante o senhor. Mas peço que me informe: se me nego a desposar Demétrio que pode acontecer-me de pior?
TESEU Afrontar a morte e para sempre dizer adeus ao mundo. Reflita com calma, e prepare-se para morrer por desobediência, ou a contrário casar-se com Demétrio como é o desejo de vosso pai.
LISANDRO (a Teseu) Senhor, eu sou tão honrado quanto ele. Meu amor é maior, e o que vale mais que todas as vantagens, sou amado pela Hérmia. Demétrio já pretendeu Helena, e conquistou-lhe o coração para depois troca-la por Hérmia. E ela pobre menina, ama, adora, idolatra este homem corrompido até hoje.
TESEU Confesso que já tinha ouvido dizer isso, mas preocupado com meu casamento acabei esquecendo. Mas agora já passou e tenho que cuidar deste assunto. Venha Egeu, tenho algumas instruções para as bodas. Quanto a você, Hérmia, prepare-se para submeter-se à vontade paterna, senão a lei de Atenas, que não podemos contrariar. (saem)
LISANDRO Por que está tão pálida, meu amor?
HÉRMIA Estar presa a alguém que não deseja. Escolher o amor com os olhos alheios!
LISANDRO Escuta, Hérmia. Tenho uma tia, viúva e muito rica, que me considera como seu filho e único herdeiro; mora a sete léguas longe de Atenas. Lá poderemos nos casar. Nesse lugar a dura lei de Atenas não alcança. Se é verdade que me ama, amanhã a noite foge da casa de teu pai, que estarei te esperando no bosque a uma légua daqui.
HÉRMIA Oh, Lisandro, eu te juro por tudo que une as almas e alimenta o amor, que estarei te esperando amanhã.
LISANDRO Não falte a promessa, meu amor. Olha, aí vem Helena.
HÉRMIA Salve, formosa Helena.
HELENA Formosa, você disse? É a tua beleza que Demétrio ama. Me diz, como consegue enfeitiçá-lo?
HÉRMIA Faço cara feia e mesmo assim, ainda me ama.
HELENA Tivessem meus sorrisos tal poder!
HÉRMIA Quanto mais o odeio, mais ele me persegue.
HELENA Quanto mais o adoro mais ele me desdenha.
HÉRMIA Não sou culpada, Helena.
HELENA A culpa é da tua beleza. Quem dera que esta culpa fosse minha!
HÉRMIA Descansa, que Demétrio não verá mais o meu rosto. Lisandro e eu vamos fugir daqui.
LISANDRO Helena, na noite de amanhã, atravessaremos os muros de Atenas, e fugiremos pelo bosque.
HÉRMIA Nossos olhos estão desviando de Atenas, iremos além procurar outros amigos, outra pátria. Adeus, doce companheira! Roga por nós, e uma boa sorte te conceda teu Demétrio. (a Lisandro) Mantém tua promessa, Lisandro. Até amanhã.
LISANDRO Assim farei, Hérmia. (despedem-se) Helena, adeus. Espero que Demétrio te ame tanto quanto o amas. (saem)
HELENA Como há seres mais felizes que outros! Sou considerada em Atenas tão bela quanto ela. Mas que adianta? Demétrio não pensa assim. Só ele não quer ver o que todos percebem. Antes que Demétrio reparasse em Hérmia, seus juramentos de fidelidade choviam sobre mim como granizo, mas o calor da outra derreteu tudo. (vai saindo e tem uma idéia) Vou informá-lo da sua fuga e amanhã ele a seguirá até o bosque. Ele me agradecerá, vou na companhia dele e junto com ele voltarei. (sai)
FIM
Cena Preparatória
Um bonde chamado desejo
TENNESSE WILLIAMS
Adaptação: Renata Kamla
(1 homem e 1 mulher)
Blanche, irmã de Stella, chega de surpresa e encontra o marido da irmã Stanley, que chega do jogo de boliche.
BLANCHE (sozinha na casa é surpreendida pela chagada de Stanley, marido de sua irmã) Você deve ser Stanley, não? Eu sou Blanche.
STANLEY A irmã de Stella? Eu não sabia que você vinha. De onde você é, Blanche?
BLANCHE Eu... moro em Lauruel.
STANLEY Em Lauruel, é? Ah, sim, é verdade, não é da minha região. Estou com a roupa grudada no corpo. Você se incomoda se fico à vontade?
BLANCHE Não, por favor. Não se incomode comigo.
STANLEY Ficar à vontade é o meu lema!
BLANCHE Ah! È o meu também. É tão difícil manter uma aparência limpa com este calor! Eu ainda não me lavei nem botei um pouco de pó de arroz e você já está aí.
STANLEY Você é professora, não é?
BLANCHE Sou.
STANLEY O que é que você ensina, Blanche?
BLANCHE Literatura.
STANLEY Nunca fui bom em literatura. Quanto tempo vai ficar aqui, Blanche?
BLANCHE Eu ainda não sei.
STANLEY Vai morar aqui com a gente?
BLANCHE Eu gostaria, se não fosse muito inconveniente para vocês todos...
STANLEY Stella falou muito a seu respeito. Você já foi casada, não foi?
BLANCHE Fui, quando eu era muito jovem.
STANLEY Que aconteceu?
BLANCHE O rapaz morreu.
FIM
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