quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Bertolt Brecht

Aos que vierem depois de nós
Bertolt Brecht
(Tradução de Manuel Bandeira)

Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.


Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.

Bertolt Brecht nasceu 1898 na  Alemanha, na cidade  Augsburg. Em 1917 inicia o curso de medicina em Munique, mas logo é convocado pelo exército, indo trabalhar como enfermeiro em um hospital militar. Aquele que iria se tornar uma das mais importantes figuras do teatro do século XX, começa a escrever seus primeiros poemas e cedo se rebela contra os "falsos padrões" da arte e da vida burguesa, corroídas pela Primeira Guerra. Tal atitude se reflete já na sua primeira peça, o drama expressionista "Baal", de 1918. Colabora com os diretores Max Reinhardt e Erwin Piscator. Recebe, no fim dos anos 20, instruções marxistas do filósofo Karl Korsch. Em 1928, faz com Kurt Weill a "Ópera dos Três Vinténs". Com a ascensão de Hitler, deixa o país em 1933, e exila-se em países como a Dinamarca e Estados Unidos da América, onde sobrevive à custa de trabalhos para Hollywood. Faz da crítica ao nazismo e à guerra tema de obras como "Mãe coragem e seus filhos" (1939). Vítima da patrulha macartista, parte em 1947 para a Suíça — onde redige o "Pequeno Organon", suma de sua teoria teatral. Volta à Alemanha em 1948, onde funda, no ano seguinte, a companhia Berliner Ensemble. Morre em Berlim, em 1956.


Obra

As suas principais influências foram Constantin Stanislavski, Vsevolod Emilevitch Meyerhold e Erwin Piscator. Stanislavski é o primeiro revolucionário, e suas teorias servem de base para o trabalho de Meyerhold e seu "método biomecânico" cuja principal intenção é fazer com que o ator exprima as nuanças psicológicas de seu personagem através de uma "máscara pantomímica".

Ele já desenvolve a técnica de comentar o texto através do gesto, inspiração asiática evidente no teatro de Brecht. A contribuição de Piscator é a noção de um teatro propagandístico e educativo. É ele quem abre caminho para o verdadeiro teatro épico teorizado e executado por Brecht. Também foram influências significativas os seus estudos sobre Sociologia e o marxismo.

Podem ser identificadas duas motivações principais para o Teatro Épico de Brecht:

•a concepção marxista do Homem, um ser que deve ser entendido observando-se o conjunto de todas as relações sociais de que participa. Para Brecht, a forma épica é a única capaz de apresentar as determinantes sociais das relações inter-humanas.

•o seu intuito didático, a necessidade de um "palco científico" capaz de desmistificar as relações da sociedade, esclarecendo o público e suscitando a ação transformadora.

Algumas de suas principais obras são:

"Um Homem É um Homem", em que cresce a idéia do homem como um ser transformável,

"Mãe Coragem e Seus Filhos", sobre a Guerra dos Trinta Anos, escrita no exílio no começo da Segunda Guerra Mundial, e

"A Vida de Galileu", drama biográfico com o qual Brecht encontra definitivamente o caminho do teatro dialético. Afirma Bernard Dort a respeito deste último:

"... Galileu foi escrita, pelo menos originalmente, para servir de exemplo e de conselho aos sábios alemães tentados a abdicar seu saber nas mãos dos chefes nazistas. "

Além dessas, escreveu "Seu Puntila e seu Criado Matti", "A Irresistível Ascenção de Arturo Ui", "O Círculo de Giz Caucasiano" e "A Boa Alma de Setzuan".

Brecht deixou marcas em Berlim:

Um trajeto por Berlim resgata os passos do dramaturgo Bertolt Brecht pela metrópole da República de Weimar e capital da Alemanha Oriental.
Berlim é uma cidade por onde já passaram incontáveis artistas e intelectuais. Mas talvez nenhum outro escritor moderno tenha deixado pistas tão nítidas na cidade como o dramaturgo Bertolt Brecht, autor da Ópera dos Três Vinténs e mentor do chamado Teatro Épico.

Berlim foi a cidade em que o jovem autor nascido em Augsburg conseguiu chamar a atenção dos intelectuais e do público para sua obra. Em 1924, Brecht mudou de sua cidade bávara para Berlim, onde trabalhou com o escritor Carl Zuckmayer no Deutsches Theater.

A efervescência cultural da República de Weimar teve fim com a ascensão do nazismo. No início de 1933, uma apresentação da peça A Medida, de Brecht, foi interrompida por policiais. Um dia antes do atentado incendiário contra o Reichstag (Platz der Republik 1), em fevereiro do mesmo ano, Brecht partiu com seus filhos e sua terceira mulher, a atriz vienense Helene Weigel, para o exílio dinamarquês. No mesmo ano, as obras de Brecht foram lançadas ao fogo durante a queima de livros organizada pelos nazistas na Opernplatz, atual Bebelplatz.

Após os nazistas invadirem a Dinamarca, Brecht emigrou para os Estados Unidos, onde permaneceu até 1948. Após uma permanência na Suíça, o dramaturgo retornou à Alemanha Oriental em 1949, com passaporte tcheco, já que sua cidadania tinha sido cassada pelos nazistas em 1935.

Ao retornar a Berlim, Brecht residiu com Helene Weigel numa casa na Chausseestrasse 125, em Mitte. Desde 1989, este endereço abriga a Casa Brecht, onde se pode visitar a última residência do casal, o arquivo Berthold Brecht e o restaurante com receitas da austríaca Helene Weigel.

De volta à Alemanha, Brecht e Weigel criaram sua própria companhia, o Berliner Ensemble, que inicialmente funcionou no Deutsches Theater, instalando-se posteriormente no Theater am Schiffbauerdamm, onde a Ópera dos Três Vinténs havia estreado em 1928. Em 1954, esta se tornou a sede definitiva do Berliner Ensemble.

A Akademie der Künste (Academia das Artes) da Alemanha Oriental (Pariser Platz 4), da qual Brecht era membro, foi reinaugurada em maio de 2005, nas imediações do Portão de Brandemburgo. O edifício foi projetado por Behnisch & Partner com Werner Durth e funciona hoje como espaço de exposições.

Bertolt Brecht faleceu no hospital Charité (o único arranha-céu nas imediações do Berliner Ensemble), em agosto de 1956, em decorrência de um infarto. Ele está enterrado ao lado de Helene Weigel no Dorotheenstädtischer Friedhof ao lado da Casa Brecht.


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